“A natureza está secando”: quilombo no Marajó vive impactos do arrozal e clima de violência

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terça-feira, 30 de abril de 2013

Literatura de cordel - ANTONIO JURACI SIQUEIRA , o poeta marajoara !

A história que vou contar
foi narração verdadeira
de Severino dos Santos,
índio aruã da ribeira,
dita de forma intimista
ao sábio naturalista
Alexandre R. Ferreira.

Um dia o velho aruã,
sentindo-se triste e só,
contou ao sábio esta lenda
ouvida de sua avó
que fala do nascimento,
num fabuloso momento,
dos rios do Marajó.

Portanto eu peço que todos,
adulto, velho ou menino,
de olhos fechados embarquem
na igara do Severino
e sigam rumo ao passado
atrás de um mundo encantado
entre o lúdico e o divino.

Aconteceu quando o tempo
era ainda bem novinho
e corria pelos campos
espantando passarinhos,
apanhando tucumã
e nos galhos da manhã
vendo o sol tecer o ninho.

Naquele tempo, crianças,
o mundo era diferente
pois o homem não produzia
tanto lixo poluente
e a Ilha do Marajó
não tinha nome e era só
dita a ilha, simplesmente

Porém não era só o nome
que a ilha não possuía:
furos, rios e igarapés
por lá também não havia.
Só tinha um lago gigante
renovado a todo instante
pela chuva que caía.

Ao entorno desse lago
e nas águas abissais,
vivia naturalmente,
toda espécie de animais:
peixe de pele e de escama,
crustáceos soltos na lama
dos extensos manguezais.

Entre os bichos que aos milhares
a imensa ilha habitavam
eram as cobras, no entanto,
que sobre todos reinavam.
Esses monstros colossais
com forças descomunais,
a ser algum se curvavam.

Mas o vento de repente
por maldade ou distração,
soprou as nuvens de chuva
numa outra direção
e a seca então, firme e forte,
se instalou trazendo a morte
para toda região.

A lama virando pedra,
as águas evaporando,
frutos secando nos galhos,
folhas e flores murchando...
Sem ter água e nem comida,
todos davam adeus à vida
sobre o solo definhando

Dava dó de ver o bicho
morrendo de inanição:
peixes, pássaros, quelônios,
mamíferos de montão.
Por toda parte se via
animais em agonia
a caminho da extinção.

Foi quando as cobras gigantes,
sentindo a morte chegar,
em prol da sobrevivência
água tentaram encontrar.
com força e fúria tamanhas
retiradas das entranhas
seguiram ao encontro do mar.

Impossível descrever
das serpentes o pavor.
Cada uma parecia
imenso e vivo trator
rasgando sulcos no chão
indo em qualquer direção
alheias à própria dor.

E assim, do centro da ilha
elas seguiram aos trancos
derrubando, na passagem,
rochas, árvores, barrancos.
Pela sede enlouquecidas,
lutavam por suas vidas
levando a morte nos flancos.

Ouvindo o bramir das ondas
sobre a praia a soluçar,
as boiunas gigantescas
ganharam força sem par
vencendo a grande batalha
e derrubando a muralha
que as separavam do mar.

No momento em que as serpentes
dentro do mar penetraram,
este, ferido em seus brios,
os rastros que elas deixaram
invadiu sem qualquer dó
e os rios do Marajó
nesse instante se formaram.

Dos rastros da s sucuris
os igarapés surgiram,
dos rastros das boioçus(*)
grandes rios emergiram
dando vida nova ao lago
num doce e líquido afago
e em prol da vida se uniram.

Não há palavra que possa
expressar tanta beleza
desse grandioso espetáculo
das forças da natureza!
E em meio a tanta  magia,
a mão de Deus concluía
mas um ato de grandeza.

Quati, mucura, veado,
anta, paca, pavão,
jacaré, onça, urubu,
preguiça, camaleão,
quer presas, quer predadores,
nesse encontro de emoção
sobre a terra redimida,
renderam graças à vida
na paz da ressurreição.

Essa história aconteceu
antes dos contos de fadas,
tempo em que os bichos falavam,
a mata era preservada,
e os homens, nossos avós,
não tendo grana nem voz
não davam palpite em nada.

Hoje perdido na selva
de asfalto e concreto armado,
sem autoestima e memória,
sofrido e desnorteado,
o nosso povo, em apuro,
nem sabe que o seu futuro
depende do seu passado.

Por isso é que a nossa gente,
vivendo em tempo enganoso,
não sabe que cada rio
profundo e misterioso
que no Marajó se expande,
é rastro de Cobra Grande
de um passado fabuloso.

Aqui termina a história
dita por nossos avós
para que seja gravada
na mente de todos nós
como valiosa herança
reforçando a confiança
de que não estamos sós.
*
Antonio Juraci Siqueira, é marajoara de Cajary, município de AFUÁ, onde, ainda menino, descobriu a literatura através dos folhetos de cordel. Licenciado pleno em Filosofia pela UFPA, pertence a várias entidades litero-culturais e atua como professor de filosofia, oficineiro de literatura, performista e contador de histórias. Possui mais de 80 títulos individuais publicados entre folhetos de cordel, livros de poesias, contos, crônicas, literatura infantil, histórias humorísticas e versos picantes. Colabora com jornais, revistas e boletins culturais de Belém e de outras localidades, além de contar com mais de 200 premiações literárias em vários gêneros, em âmbito nacional e local.


4 comentários:

  1. Que beleza, Marli!
    Você é uma artista singular, sempre
    valorizando o que é belo!
    Parabéns, parabéns!
    Beijos no coração de poesia.

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    1. Dáguima,obrigada pelo elogio, na verdade, a bela obra de Antonio Juraci,é que merece todos os elogios possíveis, você não acha?
      Beijos querida amiga.

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  2. Sumana querida Marli, assim você acaba matanto o boto.
    Onde já se viu ficar cutucando o coração da gen te desse jeito, piquena?!
    Obrigado pelo carinho e pela divulgação dessa história marajoara
    que nos legaram nossos ancestrais. Você é 1000000000000000!!!

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    1. Meu sumano, adoro cutucar teu coração mesmo, quem manda fazer essas histórias lindas do nosso Marajó.
      Quero que o mundo todo tome conhecimento do teu belo trabalho, e que venham muito mais obras maravilhosas.
      Um beijão nesse coraçãozão!!!

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